Coloquio 13 (Garcia da Orta)

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Coloquio 12
Garcia da Orta, Coloquios dos simples, 1563
Coloquio 14




[173]

COLOQUIO DECIMO TERCEIRO
De duas maneiras de cardamomo e carandas


INTERLOCUTORES
RUANO, ORTA, SERVO


RUANO

Grande meada temos pêra desempeçar, e grandes nós pêra desatar, como os que Alexandre cortou por escusar o trabalho de os desempeçar. E por esta causa me parece bem haver de vós hum desengano disto ; porque se os podeis desatar, bem ; e se nam, quebrarlosey, usando do cardamomo mayor e menor, como em Europa se usa ; nam sendo conforme a Galeno, nem a Plinio, nem a Dioscorides.

ORTA

Eu muy bem vos saberey dizer qual he o que chamão cardamomo mayor e menor, e que vejaes isto tam craro como a luz do meo dia ; porque sam estas humas muito usadas mercadorias, e assi gastadas nesta terra, como levadas pera Europa e Africa e Asia : mas se este nome cardamomo lhe foy bem posto ou não, não volo posso afirmar.

RUANO

Começay em boas oras, e dizey os nomes arábios e latinos e indianos.

ORTA

Avicena faz capitulo do cacollá [1], e o divide em maior e menor, e ao mayor chama quebir e ao menor ceguer ; assi

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  1. Avicen. lib. 159 (nota do auctor). Para ser correcta seria lib. IIi, tract. II, cap. 158 ; veja-se a nota (1).


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que hum delles se chama cacollá quebir, e outro cacollá ceguer, que he tanto como se dixesse cardamomo mayor e cardamomo menor ; e por estes dous nomes sam conhecidas estas duas maneiras de cardamomo dos fisicos arabios e mercadores ; e ambas ha na India, e a mayor quantidade he de Calecut até Cananor, bem que em outras partes do Malavar o aja, e na Jaoa ; mas não he tanta quantidade, nem tam branco da casca. E neste Malavar se chama etremilly, e em Ceilam ençal ; e, ácerca dos Bengalas e Guzarates e Decanins se chama, por alguns hil, e por outros elachi ; e isto, ácerca dos Mouros, porque ácerca dos gentios destas partes acima ditas se chama dore ; e por esta causa ha tantas confusões nos nomes delle escriptos per os Arabios ; porque huns o chamarão pella lingoa indiana, e outros pella arabia ; e ficou a cousa tam embaraçada, que deu a muitos occasiam de errar.

RUANO

Pois Serapiam chama a hum cacollá e a outro hilbane [1].

ORTA

Está corruta a letra, e hade dizer cacollá e hil, e se lhe quisermos acrescentar bane, antes diremos bara, que quer dizer grande em decanim ; assi que cacollá, como dizem todos os Arábios, ou caculle, como diz Avicena, ou elachi, querem dizer o que chamamos cardamomo.

RUANO

E em latim como lhe chamaremos, ou em grego ?

ORTA

Os Gregos, nem os Latinos antigos, nam conheceram cardamomo ; como quereis que vos diga o nome ? E por tanto podeis crer que Galeno nam escreveo delle ; e isto alem da esperiencia e o capitulo do cardamomo, he dizelo Avenrrois ;

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  1. Serapio, cap. 64 (nota do auctor).


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porque diz Galeno que nam he o cardamomo tam quente como masturço [1] ; mas que he mais aromatico e mais saboroso, e tem alguma cousa de amargor ; e pois todas estas cousas nam lhe convém, nem tem sabor de masturço, nem amarga, sinal he que nam conheceo este que chamamos cardamomo.

RUANO

E pois Plinio e Dioscorides nam escreveram delle [2] ?

ORTA

Dioscorides diz que o milhor se traz de Comagena e da Arménia e do Bósforo ; e que também se traz da India e da Arabia ; e pois diz que se traz destas partes, acima ditas, e o que cá chamamos cardamomo não o ha lá, pois he mercadoria que pera lá se leva ; assi que se lá ha o que diz Galeno e Diocorides, e não he este da India, bem se segue que são duas cousas e não huma só. E se queremos dizer que he o que chamão Avicena e Serapiam cordumeni, nisto não contendo, porque este nam he o que Avicena e Serapiam chamaram cacullá ou hil ; quanto mais que Dioscorides, em as condições que delle põe, diz que seja máo de quebrar e encerrado na casulha, e agro e hum pouco amargo, e que tente com o cheiro, e fira a cabeça, as quais cousas todas sam ao revez deste chamado cardamomo ; porque não he máo de quebrar, nem tenta com o cheiro a cabeça, nem he amargo, senam tem hum sabor agudo, nam tanto como a pimenta ou cravo ; e porém he mais aprazivel, e na boca traz agoa.

RUANO

Pois porque lhe chamarão cardamomo, pois dizeis nam ser o dos Gregos ?

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  1. Avenrrois, 5, Colligit ; Galenus, 7, Simp. medica. (nota do auctor).
  2. Pli. lib. 12, cap. 13 ; Diosc. li. I, cap. 5 (nota do auctor).


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ORTA

Porque, como diz Terencio [1], Davo contorbou todas as cousas ; e este Davo foy Geraldo Cremonense trasladador, que, por nam conhecer este simple, por a muyta distancia destas terras, e não haver navegaçam, nem commercio pera ellas, poslhe o nome que milhor lhe pareceo ; e fôra milhor deixar o nome em arabio, pois era mézinha não conhecida ; e não foy só o erro que deste modo teve este Geraldo.

RUANO

O de Plinio parece ser o desta terra ?

ORTA

Plinio põe quatro especias ; scilicet, muito verde e grosso, e o milhor ha de ser contumaz ao esfregar ; e o outro que resplandeça de cor ruiva de ouro ; e o outro, mais pequeno e mais negro, hade ser de desvairadas cores, e que se quebre bem : ora vedes aqui o cardamomo que tem a casca em que está, branca, e elle he preto, e facilmente se quebra. E provay, que não he amargo, nem o ha preto por fóra, e muito menos o ha verde, ou vario de cor, como podeis ver neste. Moço, pede a huma negra cardamomo, e trazeo cá ; porque estas negras usam muito delle por o máo cheiro da boca e pera masticatorio, e pera desfleimar e alimpar a cabeça.

SERVO

Eilo aqui.

RUANO

Bem diíferente cousa he esta ; quanto mais que diz Valério Gordo [2], que o mayor he quasi como bollota e o menor quasi como avelã ; e destes nenhum dos grandes he mayor que hum pinham com casca ; e elle, nos Dioscorides que

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  1. Terencio (nota do auctor). Veja-se a nota (5).
  2. « Valério Probo », na edição de Goa, mas por erro evidente. O nome d'este conhecido commentador de Dioscorides foi um dos que mais alterações soffreram na impressão ; veja-se a nota (5).


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fez debuxar, pinta o assi ; e diz que estes grãos estão metidos nas outras cabeças grandes ; portanto me dizey se he assi.

ORTA

Elle se semêa como os nossos legumes ; e o mais alto he como um covado de medir ; e nelle estão dependuradas estas casulhas ; e nesta casulha que vedes abrir, estão de dez até vinte grãos pequenos.

RUANO

Venha Ruelio e Laguna, pois são mais novos escritores, e digão o que sintem deste simple ; porque diz Ruelio que he huma frutice ou mata semelhante ao amomo, como o nome o diz, e abaxo diz que se colhe como o amomo na Arabia.

ORTA

Por aqui podeis ver que não he o cardamomo ; porque o que cá da India vay, pera essas partes o levão, scilicet, pera o ponente ; e nestas terras cá não ha o amomo, porque de lá do ponente o mandão trazer os reys pera mézinha, do que eu sam testemunha de vista. E que o cardamomo ou cacollá não ajão nessas terras do ponente se prova por ser mercadoria pera lá ; e he sabido de todolos mercadores.

RUANO

Também traz per auctoridade de Theofrasto, que he vezinho ao nardo e ao costo.

ORTA

Isto achamos ser alheo da verdade, porque o nardo e o costo ha os no Mandou e no Chitor ; e o cacollá ha o no Malavar, e já póde ser que o aja onde ha o nardo e o costo, mas nam ha tanto como o ha no Malavar.

RUANO

E também diz que as sementes sam brancas, e que empolam com grande esquentamento a boca ?


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ORTA

Isto he falso do cacollá, pois a casca he branca e as sementes são pretas ; e, tomado na boca traz tanta agoa, que parece nam ser quente ; donde tomaram occasiam os Indios a dizer que era frio de compreisam.

RUANO

Pois o Laguna, que trasladou o Dioscorides em castelhano, diz que nas boticas se mostrão três especias de cardamomo, scilicet, mayor e menor, e outra que he a nigela, e que todas são muito aromaticas e mordaces ao gosto ; e que o cardamomo mayor parece ao fenugreco ou alfoluas, e que he mais negro e mais pequeno ; e o cardamomo menor corresponde na figura ao mayor, porque he esquinado e nam tem tanto corpo, e declina mais a cor pardilha ; e o terceiro he a nigela citrina, que he differente na cor preta somente ; de modo que concluy que a primeira especia he malagueta ou grãos do paraiso ; e que este he o cardamomo de que escreve Dioscorides. E diz mais o mesmo Laguna que hum mercador lhas mostrou em Veneza todas tres especias o anno de 48, e depois diz mil males dos Arzbios e que confundem tudo.

ORTA

O que dizeis de Laguna he craro ser falso, pollo que já disse e adiante direy ; porque o Dioscorides não vio o cardamomo com casca ; pois diz que a malagueta o he ; não, a malagueta conheceo Dioscorides donde era [1] ; e o mayor, que diz ter a cor pardiiha, nam diz bem ; e mais a nigela nam ha nesta região, nem tem as obras do cardamomo. E o mercador que lhe mostrou as tres especias de cardamomo, que disse que trazia a Veneza da Armenia, não dixe verdade se era verdadeiro cardamomo ; e se era o verdadeiro, traziaas da India, scilicet, levadas della a Alexandria ou outro porto.

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  1. A phrase é muito confusa ; e Orta depois de refutar Laguna parece admittir a sua opinião de que Dioscorides conheceu a malagueta, opinião de todo o ponto insustentável. Veja-se a nota (1).


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RUANO

Logo, per vossas razoes, me parece que dizeis que o cardamomo dos Gregos não he este que chamão cardamomo os Arabios ; e tem muyta razam Menardo e outros escritores novos de dizer que o cardamomo dos Arabios que he mézinha nova ; e que nam se deve usar della, pois Galeno e Dioscorides, principes da medecina, não a usaram (1).

ORTA

O primeiro vos confessey já, scilicet, que o cardamomo que os Gregos escreveram, não he o cacullá que escreveram os Arabios ; mas o segundo vos nego em dizerdes que nam se hade usar delle, porque cada dia ha enfermidades novas, assi como o morbo napolitano (a que chamamos sarna de Castella), e Deus he tam misericordioso que em cada terra nos deu mézinhas pera sararnos ; porque elle que dá a enfermidade dá a mézinha pera ella ; senam, como diz Temistio, o nosso saber he a mais pequena parte do que ignoramos [1]. E porque nam sabemos as mézinhas com que curamos todas, trazemos o ruibarbo da China, donde trazemos o páo ou raizes pera curar a sarna de Castella, e a cana fistola trazemos da India, e o manná da Persia, e guaiacam das Indias occidentaes. E tambem quiz Deos que buscassemos e inquerissemos sempre mézinhas ; e pois isto assi he, porque os amadores dos Gregos quando achão as mézinhas esperimentadas nas terras onde nascem, e nas terras onde as usaram Avicena, e Abenzoar, e Rasis, e Isaque, e outros a quem nam se póde negar serem letrados, em tanta maneira as vituperão, que vituperão os autores.

RUANO

Bem dizeis : mas como usarey do vosso cardamomo curando segundo Galeno, pois o não conheceo ?

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  1. Temistio (nota do auctor). Veja-se a nota (5).


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ORTA

Digo que em as receitas dos Gregos e dos Latinos antigos, que nam seguirão os Arabios, por cardamomo usay do de Galeno ; e se o nam conheceis, não deis a culpa aos outros, pois nam a tem : e nas composições ou curas dos Arabios e Latinos modernos usay do cardamomo mayor, que he este grande que vedes, e do menor, que he estoutro.

RUANO

Outra guerra se nos aparelha, estes (nam) são ambos de huma feiçam, e (que) não diferem mais que de grande a pequeno, e todolos vossos imitadores dos Arabios (nam) chamam a este pequeno cardamomo mayor, e estoutro grande nunca o virão em Europa ; e por o menor usam de huma semente, a que chamam grana paradisi, e os Hespanhoes malagueta [1]. Pareceme que desfazeis toda a fisica e todo o modo de curar ; portanto tende mão em vós, e dizeime donde vos veo este error.

ORTA

Eu volo direy, e vós o vereis craro ; porque muitas vezes perguntey em Portugal, e cá na India a pessoas que foram de Portugal á Malagueta, se avia na Malagueta este cacollá a que chamamos cardamomo, e dixeramme que nam ; e cá nestes terras perguntey se avia malagueta e nunca a achey. Comecei entonces a cuidar em mim, como Avicena, tanto sabedor, avia de dividir o cardamomo mayor e menor, e que o mayor se avia de achar na India, e o outro na Malagueta, quatro mil legoas della ; e também vy que Avicena chama á malagueta conbazbague ; e parece muita razam ser ella, pois que diz que a trazem das partes de Çofala, e a Malagueta he continua a ella. E já póde ser que em Çofala ou nas terras convisinhas a aja, e nam o sabemos, porque he

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  1. Toda esta passagem é inintelligivel, e contem talvez a mais as palavras incluidas entre parenthesis ; alem disso envolve um erro, sobre a identificação do granum paradisi com o cardamomo menor.


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gente barbara, e não acustumada a conversar com os homens : pois como quereis que escreva dous capitules Avicena de huma cousa ? E andando eu nestes cuidados em Cochim, veo a mim hum judeo, mercador da Turquia, e dixeme que trazia em huma lembrança de mézinhas que avia de comprar, cacollá quebir ; e como entendi que cacollá significava cardamomo, e quebir grande, perguntey a muitos, se avia cardamomo em outras terras, e de que feiçam era, e nam me davam razam disso ; e por derradeiro achey que em Ceilam o avia, e que era muito mais grande e nam tam aromatico ; e isto me dixe hum feitor de elrey que ahi residira, e que se levava a Ormuz e Arabia por mercadoria, em que se ganhava bem. E no mesmo tempo mandey a Ceilam hum meu navio, e me trouxerão huma amostra delle ; e porque nam creais a huma só testemunha, ainda que seja Catam, curando eu no Balagate hum grande senhor, por nome Hamjam, irmão de hum rey do Balagate, que se chama Verido, de industria despensei em uma receita cardamomo mayor e cardamomo menor, em lingoa arabica, e apresentaramme, pera fazer a composição, estas duas mézinhas ; isto avia de abastar, quanto mais que, a olho vedes que ambos são de huma feiçam, e hum grande e outro mais pequeno.

RUANO

Logo a Portugal vai o menor destes, e o maior destes nam vi : qual vos parece milhor pera usar ?

ORTA

Digo que ambos he bem que se levem a Portugal, e dahi se gasta pera toda a Europa ; e porém o mais aromático e milhor he este mais pequeno, e podese chamar mayor em virtude e menor em cantidade : isto digo salvo milhor juizo.

RUANO

Eu estou espantado de mim, como vendo estas duas cabeças de sementes, nam dixe logo, este he cardamomo mayor e este he menor, e daqui adiante assi usarey e praticarey ; e


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do conbazbague ou malagueta, somente onde o achardes pensando nas mézinhas dos Arabios (2).

ORTA

Nenhuma cousa sei, que logo o nam diga aos boticairos e fisicos, e a todos ; e isto bem sei que nam he bom pera mim, porque dizem, depois que elles acháram estas cousas, e levão a gloria de meus trabalhos, e eu nam o digo, senam por aproveitar a todos. E Deus he testemunha disto, que me aconteceo. Foy hum visorey nesta India, muito curioso de saber, e posto que nam sabia latim, em toscano entendia Plinio, e desejava de saber a certeza de algum simple, e encomendavame que lho dixesse, quando o achasse ; ao qual eu levei este cardamomo mayor a mostrar, e o menor, e mostrandolos ambos, lhe dixe que hum se dizia cardamomo mayor e outro menor, o qual elle, olhando e provando, afirmou que aquilo lhe parecia verdade, e porém que elle tinha fé em hum boticairo velho, que o queria mandar chamar.

RUANO

Esse boticairo era docto, e sabia latim, e grego, ou arabio ?

ORTA

Não, senam era hum homem velho e de muito tempo na India, e sabia bem a pratica da botica, e em latim, e grego e arabio sabia do modo que o sabem em Espanha os que nunca o ouviram falar nem ler ; e comtudo isto era muito bom homem, e porque hia fazer a Cambaya as drogas da botica, que pera Portugal mandava o veador da fazenda, dezia, que nenhum boticairo sabia no reino nem cá senão elle cousa destas drogas ; e elle nunca soube tanto que lhe fizesse perda. Perguntou o visorey áquelle boticairo se era hum daquelles cardamomo mayor e outro cardamomo menor, e dixe que nam ; senam que o mais pequeno era cardamomo, e o outro que nam o era mayor nem menor ; e como lhe eu dixe que o provasse e acharia ambos de hum sabor, e hum era grande e outro pequeno, e elle nam dava


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estas duas especias nesta terra, sendo nella tam espermentado, que era razam serem aquellas duas mezinhas huma cardamomo mayor e outra cardamomo menor. A isto dava elle grandes brados em bom romance de Portugal de presumitur, que volo concedo, mas que o seja assi, que volo nego : argumentovos de menta e polipodio. E eu lhe dizia, porque nam será este cardamomo, pois não dais outro na terra ? E elle dezia : Porque ? Como ha Deos de querer que o que eu não soube em tantos annos, saibais vós tam asinha ? E eu a isto lhe replicava que muitas cousas sabiamos oje, as quaes ontem ignoravamos ; e que muitas vezes, aos menores, como a mim, se revelavam as cousas que aos mayores, como elle, nam revelavam ; e com todas estas lisonjas nunca o pude fazer confessar, senam acodia de persumitur.

RUAXO

E pudieis ter o riso entonces ?

ORTA

Si podia, mas com grande trabalho ; porque, diante de tal pessoa, sermia reputado a liviandade ; e porém um letrado jurista, que em hum canto estava assentado, reya [1] por mim e por elle, e oje em dia riy disso, quando lhe lembra.

RUANO

Nam sabia esse visorey o que vós sabieis ?

ORTA

Si ; e mais me conhecia de Portugal ; e elrey quando pera esta terra veo elle lhe dixe que não era necessario trazer físico comsigo ; e assi o fez, e se finou em minhas mãos ; mas pudia mais a porfia do boticairo, que todas estas coisas (3)

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  1. « Reya  », uma fórma hespanhola, como muitas outras de que usa o nosso auctor.


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RUANO

Folgarey de conhecer este boticairo.

ORTA

Já morreo, e Deos lhe perdõe, porque tirado de algumas cousas era muyto bom homem ; e nelle não falemos mais, porque isto foy mais dito pera o festejardes e vos alegrar, que pera o encomendar á memoria.

RUANO

Digovos que Andreas Belunensis, bem entendido no arabio, diz que caculle he cardamomo mayor, e alçal ou haleil ou cayrbua e eilbua he cardamomo menor.

ORTA

Todos estes nomes estão depravados ácerca dos livros arabios e de alguma gente ; e o que acima dixe he a verdade ; e nam digo isto porque elle não sabia muito, mas, por nam vir a esta terra, nam pôde haver as verdadeiras enformaçÕes.

RUANO

Usase muito em fisica da gente da terra ?

ORTA

Muito, porque no betel mesturado se mastiga pera fazer bom cheiro ; e com elle dizem que se tira a freima da cabeça e do estomago ; e assi o tomam em xaropes e tomaram erronia em dizer que era frio ; e nam he muito, pois assi o afirmam na pimenta.

RUANO

E os fisicos indianos tomam a raiz pera as febres ? porque diz Mateus Silvatico que si, e que naçem em humas trombusidades de huns arvores : ha pella ventura cá também alguns arvores donde naçem ?

ORTA

Nam tem raiz, que ao caso faça, pera tomarem em febres ; porque nam nace, senam semeandose na terra que


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primeiro seja queimada, e não ha outro : e o que diz Mateus Silvatico he muito falso ; e pois nam alega com outro algum, com elle se fique a mentira.

RUANO

Como se gasta em Europa tanta pimenta e tam pouca malagueta, sabendo milhor a malagueta, principalmente no peixe ?

ORTA

Já tive essa pratica com Alemães e Francezes mercadores ; e dixeramme que a malagueta nam adubava os comeres em cozido, nem sufria cozimento, somente em cousa crua, ou que fosse já cozida ; e que porque isto era pouco, por isso se gasta menos della. E leixemos isto, e comamos o peixe que temos cozido pera comer, porque tambem leva cardamomo.

RUANO

Bem he : mas que fruita he esta azeda que parece maçanzinhas pequenas verdes ?

ORIA

Chamamse carandas, ha as na terra firme e no Balaguate : são arvores do tamanho de medronheiro, e a folha assi, e a frol he muita e cheira a madresilva ; quando são maduras he muito saborosa fruita, sam pretas e sabem a uvas, e já ouve homem que fez dellas vinho, e foi rezoado mosto ; e podera ser que se fôra muito fôra bom vinho ao diante. Agora he esta fruita verde, e de grossura de huma avelã com casca, he mayor no Balaguate quando he madura, e entonces deita huma viscosidade, como leite ; e algumas pessoas lhe deitam sal, quando he madura pera comer, e sabem bem : estas verdes são salgadas, e esta provisam ha nesta terra, que fazem as fruitas salgadas pera incitar o apetite no tempo que as nam ha ; e tambem as lançam em vinagre e azeite, a que chamam achar ; e assi vem cá da Persia e Arabia ameixas verdes e maçans e talos de videira e de silva, alcaparras e o fruito dellas. E pois estes Indios buscam tantas maneiras á gulla, comei (4).


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RUANO

Assi o farei, e já provey esta fruita e sabeme a maçans verdes (5).


Nota (1)

Nota (1)


« Grande meada temos pera desempeçar e grandes nós pera desatar, » diz logo no começo o nosso Orta. Nulla res est fortasse in re pharmaceutica magis litigiata quam Cardamomi notitia, dizia tambem o antigo pharmacologista Geoffroy. A meada, porém, não é muito difficil de desempeçar, pelo menos na parte que este Coloquio tem de realmente interessante.

Devemos em primeiro logar ter em vista, que Orta se refere a uma unica especie, Elettaria Cardamomum, Maton (Alpinia Cardamomum, Roxb.), uma grande planta herbacea e perenne da familia das Scitamineæ. Conhecia, porém, duas variedades d'esta especie, das quaes nos occuparemos na nota seguinte.

Vejamos agora os nomes vulgares, citados pelo nosso escriptor :

  • « Cacollá quebir » e « Cacolá seguer » entre os escritores arabicos, significando respectivamente « Cardamomo mayor e Cardamomo menor ». Estes são os dois nomes bem conhecidos قاقلة كبار qaqalah kebar, e قاقلة صغار qaqalah segher, pelos quaes esta droga vem geralmente designada nos livros dos arabes (Cf. Ainslie, Mat. ind., I, 52, 54).
  • « Hil » entre os mouros, isto é, os mussulmanos, de diversas partes da índia. Com a mesma orthographia hil o cita Dymock como sendo usado por alguns escriptores arabicos modernos (Mat. med., 786).
  • « Elachi » entre os mesmos mouros ; isto é iláchi, nome vulgar bengali, ou elchi, nome ainda usado em Bombaim (Dymock, l. c).
  • « Ençal » em Ceylão. Ainslie cita o mesmo nome singhalez ensal (Mat. ind., I, 52).
  • Etremilly no Malabar. Posto que deva estar muito alterado, parece ligar-se com o nome vulgar elettari, citado por Rhede, e que foi adoptado para a designação scientifica do género (Hortus malab., XI (1692), T.4 e 5).
  • « Dore » é nome que não encontrei, e apenas se parece vagamente com a terminação de uma das designações vulgares em Bombaim, veldode (Dymock, l. c).

Passa depois o nosso escriptor a enumerar todas as diíficuldades que encontrou, quando quiz approximar a planta sua conhecida das descripções de Dioscorides, Plinio, Galeno e outros auctores classicos. Vê-se que elle fez cuidadosamente este exame. Cita as proprias expres-


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soes de Dioscorides, « máo de quebrar, encerrado na casulha, agro e um pouco amargo » — δύσθραυστον, μεμυκός... γεύσει δὲ δριμὺ καὶ ὑπόπικρον. Transcreve quasi textualmente a passagem de Plinio, onde este distingue no cardamomum quatro variedades : viridissimum ac pingue, acutis angulis, contumax fricanti, quod maxime laudatur : proximum e rufo candicans : tertium brevius atque nigrius. Pejus tamen varium et facile tritu. E d'esta conscienciosa confrontação conclue, que aquellas substancias não são a que elle conhece, ou pelo menos não é possivel affirmar que o sejam. Á mesma conclusão chegaram todos os modernos auctores de matéria medica, J. Pereira como Flückiger e Hanbury, os quaes reconhecem, que o καρδαμωμον de Dioscorides, e o cardamomum de Plinio, se não podem identificar satisfactoriamente com as substancias modernamente designadas pelo mesmo nome (Cf. Dioscorides, I, 5, pag. 14, edição Sprengel ; Plin. XII, 19 ; Pereira, Mat. med., II, I, 258 ; Pharmac., 583).

Orta admitte, porém, que os antigos escriptores arabicos conheciam esta droga. Effectivamente, Avicenna dedica nem menos de quatro capitulos a substancias que deviam ser analogas e alguma d'ellas identica a esta. Os capitulos têem nas velhas versões latinas os seguintes titulos, que de certo estão muito alterados : sacolla, que se distingue em grande e pequeno ; cordumeni ; cobzbague ou chayrbua ; e eylbua ou chayrbua. Algumas d'estas drogas eram de origem asiatica, e podiam ser a propria Elettaria, pois temos motivos para suppor que os arabes a conheciam já então. Maçudi, no X século, enumera as substancias que vinham do imperio do Maharadja, isto é, do archipelago e da India : canfora, aloés, cravo, sandalo, areca, nóz moscada, cardamomo (القاقلة) e cubebas. Mais tarde Édrisi dá uma lista das mercadorias, que os navios da China traziam a Aden, entre as quaes figura o cardamomo [1] ; e em outra passagem refere-se á sua existencia em Ceylão, onde se comprava barato um certo vinho doce, cozido com cardamomo fresco. Vê-se, pois, que os arabes tinham noticia de uma droga asiatica, a qual pelo nome e pela região d'onde vinha parece ser a Elettaria (Cf. Avicenna, II, II, cap. 158, 159, 203, e 232, edição de Rinio (1556) ; Maçudi, Prairies, I, 341 ; Édrisi, Géographie, I, 51, 73).

Succedia, porém, que além das drogas asiaticas, Avicenna mencionava outras de procedencia africana, e isto lançou o nosso escriptor em uma certa perplexidade, e induziu-o em varios erros.

Encontrou-se em antigos tempos, nos mercados, um cardamomo de grandes dimensões, procedente da Abyssinia, exportado pelos portos africanos do mar Vermelho, e chamado pelos Gallas korarima. Para a

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  1. Esta substancia podia ser a Elettaria, trazida da India pelos navios da China ; mas podia tambem ser algum Amomum, dos vários que existem na propria China.


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planta que o produz, e que não está ainda bem conhecida, propoz J. Pereira o nome provisorio de Amomum korarima. Não é facil decidir com segurança se esta droga era o chayrbua de Avicenna ; mas parece ter sido o cardamomum majus de Matthiolo, de Valerio Cordo e de outros escriptores da Renascença — aquelle que Valerio Cordo fez « debuxar », e que Orta estranhava tivesse tão grandes dimensões [1].

Encontrou-se tambem no commercio outra droga, chamada melegeta (malagueta na fórma portugueza), granum-paradisi, e algumas vezes cardamomum majus. Procedia geographicamente da costa Occidental da Africa, e botanicamente do Amomum Granum-paradisi, Afz., e de outras especies proximas. Teve tanta nomeada, que uma parte da costa africana, do cabo Mesurado ao cabo das Palmas, se chamou Costa da Malagueta ou simplesmente a Malagueta — como lhe chama o nosso Orta. Nos tempos d'este havia sobre aquella droga noções extremamente incompletas e nebulosas, e o que elle encontrava nos livros de materia medica só lhe podia augmentar a confusão. Toda a passagem que cita do eruditissimo Laguna, é extremamente incorrecta ; e nem é admissivel que Dioscorides conhecesse a malagueta, nem facil saber se Avicenna fallou d'ella, ou de alguma droga de Sofala, que, em todo o caso, ficava bem distante da costa de Liberia. Para avaliar bem como as cousas deviam estar enredadas então, basta ver como ainda é confuso o que diz Whitelaw Ainslie em 1826. Onde Orta poderia ter encontrado algumas noções mais claras, seria nos escriptos dos seus compatriotas, no Esmeraldo de Duarte Pacheco, ou na relação de Diogo Gomes ; mas ambos estavam — e um ainda está — ineditos. Tambem as podia encontrar na Asia de João de Barros ; mas é notável que, sendo a primeira edição de 1552, Orta parece não conhecer este livro que tanto o devia interessar (Cf Dioscorides do dr. Andrés de Laguna, p. 15, na edição de Valencia, 1695 ; Ainslie, Mat. ind., I, 55; Barros, Asia, I, II, 2 ; Memoria sobre a Malagueta, nas Mem. da Ac. Real das Sc. de Lisboa, nova serie, vol. VI, parte I).

Resumindo temos, que tres drogas, de tres afastadas procedencias geographicas, e de tres distinctas origens botanicas, comquanto todas tres fornecidas por plantas da familia das Scitamineæ, tiveram no commercio, nas pharmacias e nos livros o nome de cardamomum majus :

  • primeiro a variedade maior da Elettaria Cardamomum, procedente da ilha de Ceylão.
  • segundo a droga chamada korarima, produzida pela especie ainda duvidosa Amomum Korarima, e procedente da Abyssinia e outras terras da Africa oriental.

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  1. Segundo Dymock este cardamomum majus ou hil-bawa reappareceu recentemente (18S5) nos bazares de Bombaim. Diz-se proceder das terras de Tumhé, d'onde é levado ao mercado de Báso na Abyssinia meridional, e d'ali por Massauá á India (Mat. med., 883).


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  • terceiro a droga chamada malagueta, produzida pelo Amomum Granum-paradisi e outras especies, e procedente da Africa occidental.

Orta conhecia de visu unicamente a primeira, e por isso elle não sabia distinguir as outras, e por isso elle « andava n'aquelles cuidados » de saber como um cardamomo maior se havia de encontrar na India, e o outro a quatro mil leguas d'ali « na Malagueta » — isto é, na costa da Malagueta. A sua exposição, perfeitamente lucida no que diz respeito á planta da India e de Ceylão, é necessariamente confusa quando falla das plantas da Africa, de que que ninguém lhe sabia dar rasão. Accresciam a isto noções de geographia africana um tanto vagas, que o levavam a dizer que Sofala é « continua á Malagueta ».

Nota (2)

Nota (2)

Vimos na nota antecedente, como os escriptores arabicos, Maçudi e Edrisi, enumeram o cardamomo entre as drogas vindas da India ou terras proximas ; mas o primeiro a marcar exactamente a sua procedencia do Malabar, parece ter sido Duarte Barbosa, como já advertiram Flückiger e Hanbury : the first writer who definitely and correctly states the country of cardamom, appears to be the portuguese navigator Barbosa (Pharmac., 583).

Barbosa indica effectivamente aquella substancia entre as producçóes da costa do Malabar, nomeadamente dos reinos de Cananor e de Cochim (Livro, 341, etc). É exactamente a região apontada pelo nosso escriptor para a sua variedade menor, que era sobretudo abundante de « Cananor até Calicut. » E ali continua a encontrar-se nas florestas e montanhas de Mysore, Travancore e outras. A planta existe espontanea e é tambem cultivada, como parece succedia já no tempo de Orta, pois este diz, que se « semea como os nossos legumes ». O processo de cultura é simples ; em algumas partes os indianos queimam os arbustos e rebentos das florestas humidas, poupando as grandes arvores, e depois semeam o cardamomo, que cresce melhor na sombra e começa a dar fructo passados alguns annos. Evidentemente o nosso escriptor tinha noticia d'este processo cultural, pois affirma que a planta « não nace senão semeando-se na terra que primeiro seija queimada » (Cf. os processos de cultura na Pharmac., 584).

Este cardamomo do Malabar procedia da fórma menor e typica do Elettaria Cardamomum, Maton. Na ilha de Ceylão encontrava-se uma fórma maior, que foi considerada uma especie distincta, sob o nome de Elettaria major ; mas hoje se toma por uma simples variedade (Elettaria Cardamomum var. β). A distincção entre as duas foi correctamente feita pelo nosso escriptor, o qual affirma, que a droga de Ceylão é maior e menos aromatica, o que é perfeitamente exacto. E esta dis-


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tincção que elle fez, depois de andar muito tempo em « cuidados », depois de conversar em Cochim com um judeu da Turquia, depois de mandar aviar receitas na capital do Berid Schah, esta distincção constitue o verdadeiro interesse do Coloquio. Restavam muitos pontos a esclarecer, muitos cardamomos de procedencia duvidosa, e que modernamente Guibourt, J. Pereira ou D. Hanbury estudaram mais ou menos completamente ; mas aquelle ponto ficou assente de um modo definitivo.

Logo no começo do Coloquio, Orta indica a existência do cardamomo em « Jaoa ». A indicação é exacta, mas a planta era diversa ; a droga de Java procede do Amomum maximum, Roxb., e comquanto conhecida e usada ali não parece ter sido exportada. D'este cardamomo temos uma antiga noticia dada por Fr. Odorico de Pordenone, pelos annos de 1320 a 1330, o qual diz que na ilha de Java se encontravam varias especiarias e entre ellas melegetæ. Este nome, que propriamente se devia dar á droga da Africa occidental, era o mais conhecido na Italia ; e o honesto franciscano applicou-o muito naturalmente a uma substancia, que era simplesmente análoga, mas lhe pareceu identica á que elle conhecia da sua terra (Cf. Pharmac., 589 ; Yule, Cathay, 88).


Nota (3)

Nota (3)

Na Vida de Garcia da Orta disse eu já quem me parecia ser este personagem. Orta diz-nos : primeiro, que era vice-rei, e morreu na índia, sendo elle seu assistente : segundo, que não sabia latim, mas entendia bem italiano, e era « curioso de saber ».

O primeiro vice-rei, que morreu na India, estando lá Garcia da Orta (1540), foi D. Garcia de Noronha. Mas, nem elle devia ser muito dado a investigações de historia natural, nem o nosso medico devia ter então a auctoridade scientifica e pessoal, que se revela em toda a anecdota.

O segundo vice-rei, que ali morreu, foi D. João de Castro. Este, porém, era muito illustrado e sabia bem latim. Suppoz-se mesmo que elle havia escripto primitivamente n'aquella lingua o seu Itinerarium maris rubri, vertendo-o depois em portuguez. Fica portanto excluido, ainda que por motivos bem diversos do primeiro (Cf. Roteiro, etc., pelo dr. Antonio Nunes de Carvalho, p. X, Paris, 1833).

Ficamos pois reduzidos a D. Pedro Mascarenhas, a quem a historia parece applicar-se sem difficuldade. D. Pedro Mascarenhas, sem ser homem de muitas letras, era intelligente e culto ; e devia saber bem italiano, pois estivera durante annos embaixador em Roma. É mesmo natura], que d'ali trouxesse entre os seus livros o Plinio traduzido por Landino, e de que já então havia varias edições. Morreu em Goa a 23


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de Junho de 1555, depois de uma doença curta, mas que lhe deu tempo para fazer todas as suas disposições ; e deve ser este o que se « finou nas mãos » de Garcia da Orta ; e, portanto, o que assistiu á curiosa discussão do nosso medico com o velho boticario. Quanto a este, não será fácil acertar com o seu nome, posto que varios documentos nos conservassem os de alguns boticarios do tempo (Cf. Garcia da Orta e o seu tempo, 197 ; Couto, Asia, VII, I, 12).


Nota (4)

Nota (4)

Os « Carandas » de Orta são os fructos da Carissa Carandas, Linn., um arbusto da família das Apocynaceæ, frequente n'aquellas regiões desde o Panjáb até Ceylão e Malaca. Os fructos — uma drupa vermelha e ultimamente preta — são ainda hoje geralmente apreciados na India para tortas, e conservas em vinagre e sal, ou de acharpikles dos inglezes (Cf Drury, Useful plants of India, 116).


Nota (5)

Nota (5)

Orta menciona n'este Coloquio alguns escriptores de botanica e materia medica, a que se não referira nos anteriores. Em primeiro logar Theophrasto, mas reportando-se unicamente a uma citação do medico francez Ruellio, ou João de la Ruelle. Depois e brevemente « Isaque », que sem duvida é um Isaac Judæus, cujas obras foram publicadas em Londres no anno de 1515, e successivamente em outras edições. Finalmente Valerio Cordo, referindo-se especialmente aos « Dioscorides que fez debuxar » ; e que devem ser o icones xylographico, publicado com a versão de Dioscorides de Ruellio do anno de 1549, e com as Annotationes in Pedacii Dioscoridi do mesmo Valerio Cordo — livro que não vi e unicamente cito pela indicação de Choulant.

Transcreve uma sentença de « Temistio » ; provavelmente Themistio, o amigo de Juliano o Apostata, e conhecido commentador de Aristoteles. Por ultimo, menciona um dos personagens da Andria de Terencio, Davus, creado de Simo, enredador e intrigante, o prototypo do Scapin de Molière ; e compara-o, um pouco injustamente, com o zeloso traductor dos antigos livros arabicos de medicina.