Coloquio 36 (Garcia da Orta)
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Mungo, max. Nom accepté : Vigna radiata.
Melão. Nom accepté : Cucumis melo.
Pateca, budieca, sandia. Nom accepté : Citrullus lanatus. Ficalho ne sait pas pourquoi Orta distingue pateca de budieca ou sandia. Il pourrait s'agir de cultivars perçus comme différents. Aujourd'hui par exemple, les pastèques à cuire (à chair jaune) sont appelées citre ou méréville en France. Orta ne signale pas la couleur de la chair de pateca ; si elle avait été rouge, il l'aurait probablement dit.
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RUANO
Todas as cousas enfastiam por saborosas que sejam, quando se come muyto dellas ; e asi me acontece a mim com simples medicinais, quando me falaes muito delles, ainda que sejam cousas de notar ; e por esta causa he bem que sempre nas mezas aja cousas que incitem o apetito, asi como alcaparras e azeitonas ; e eu fiquei tam gostoso das mangas, que estimaria agora que falasemos em outra fruta alguma da India.
ORTA
Darvoshei a comer patecas ou melões da India.
RUANO
Nam seja de huns melões que aqui vi em casa, que me enganarão, porque me cheiram ao mais fino melam do mundo, e quando o provei acheio de sabor de lama, e a causa foi uma vossa compradeira que me enganou ; perguntandolhe eu, se era bom, dixeme que si ; e eu porque vejo nesta terra pepinos, como os de Portugal, pareceome que tambem averia melões como os nossos.
ORTA
Ella falouvos segundo seu gosto, e como pessoa que nam comera melões em Europa ; e porém seyvos dizer que em Dio ha melões, que se podem muyto bem comer, porque sam arrasoados no sabor e no cheiro, como os de Portugal ; e asi os ha em muytas partes do Balagate, e os que ha em Ormuz sam tam bons como os de Espanha. Mas não sam
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estes os melões de que vos eu quero falar ; senão outros que os Portuguezes de cá chamamos patecas, e he hum melam grande e redondo, ou de feiçam oval, por milhor dizer ; nam se come cortando ao comprido, como nós comemos o melam, senão cortando ao largo. He redondo, tem a semente preta, quando he maduro, e quando he verde, branca ; e posto que nam he doce, como os nossos melões, he muyto suave, esfria muyto, humedece, desfazse todo em aguoa, e he muyto hom nos causomees [1] e pera todas as febres colericas, e esquentamento do figado, e rins, segundo vemos cá por experiencia ; provoca muyto a orina, e os sãos o costumão cá tomar 4 oras depois de jantar, que he o tempo mais quente ; e a mim pareciame melhor começar por elles os jantares. A semente destes melões provoca o sono, e sam as milhores sementes frias que cá temos, posto que não carecemos das outras [2]. E em este genero de melões nao se pode duvidar da sua conpleixam ser fria e humida ; porque nos nossos melões, por serem abstersivos ou alimpadores e doces, duvidam alguns na sua compleixam ser fria. E porque vejaes tudo ao olho, e sejaes testemunha de vista, asantaivos a comer, e provareis deste melam chamado de nós pateca. Moça, traze cá esse melam ou pateca.
SERVA
Melão vossa merçê não o sóe comer : mas aqui estam patecas que vieram de Chaul, e outras melhores de Dabul. Eilas aqui.
ORTA
Querovos fazer a salva ; deitai as pevides fóra, e provai que boa está esta pateca.
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- ↑ « Causomees » deve ser erro de imprensa, por causónes, sing. causón, que o Diccionario de la Real Academia Española define : Calentura repentina mui ardiente.
- ↑ As quatro grandes sementes frias da antiga pharmacia eram uas do melão, do pepino, da melancia e da abobora (Guibourt, III, 262).
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RUANO
He huma das milhores frutas que vi em minha vida ; e emn certos tempos a queria antes que os nossos melões ; porque não faram mais que alterar, e muyta parte parece que ade sair polla orina, e alguma por camaras ; e não ficará la couza sujeita a corruçam, como acontece nos melões, e pepinos e cogombros : e eu levarei estas sementes pera em Espanha semear. Mas dizeime o nome della em todas as lingoas, e porque lhe chamaes pateca.
ORTA
Segundo querem os Arabios e Persios esta fruta foy levada ás suas terras de qua da India ; e por isso lhe chamam batiec indi, que quer dizer melam da India ; e Avicena asi a chama em muytas partes ; e batiec somente, quer dizer melam, e o nome da terra indiana he calangari.
RUANO
E quem vos dixe que se chamava batiec indi ? Faz por ventura mençam della algum arabio escritor ?
ORTA
O nome he comum ; e asi lhe chamam os fisicos, que sahem a lingoa arabia, se lhe acertam o nome ; e Serapio, se lhe escreveo outro nome, foy por se chamar assi em sua terra, ou estará a letra corruta ; mas Avicena craramente lhe chama batiec indi, no quarto livro, no capitulo da febre terçam pura ; e ahi põe grandes louvores delle, os quaes vós sabeis melhor que eu, ainda que eu o tenha mais esprementado que vós. E se Deos quizer que vades a Hespanha, e a lá semearem, vós achareis quam boa cousa he pera as febres colericas, e pera outras muytas emfermidades.
RUANO
Ouvi dizer que avia em muytas partes de Castella huns melões muito finos, a que chamavam budiecas, as quaes pode ser sejam estas patecas, e, corrompendo-lhe o nome, lhe chamaram budiecas por patecas.
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ORTA
Eu vi já estes melões em algumas partes de Castella, e chamavamlhe budiecas, e outros lhe chamavam samdias ; e proveios e he hum pomo mui deferente deste ; por onde não se pode dizer da mesma especia, nem chamar batiec indi ; e mais estas patecas não tem as folhas como os melões, senão mui deferentes destas budiecas, e mais he huma mata alta, e não estendida pollo cham como as patecas ; e dixeramme que as avia em Africa, da mesma maneira destas da India ; isto bem pode ser, mas eu não dou fé do que nam vi (1).
RUANO
Vós quando me dizeis que isto não he medecinal, entam lhe acho eu mais medecina, e me dizeis cousas de que eu mais gosto, e eu mais estimo pera curar. E os fisicos desta terra sabem deste melam da India ?
ORTA
Nenhum soube isto, senão a quem o eu dixe, e não porque elles não sejam homens mui bons letrados, senão porque não se prezam de couzas tam baixas : mas eu pergunto estas cousas aos fisicos grandes, Arabios e Gentios.
RUANO
E como lhe sabeis perguntar isto aos Arabios ?
ORTA
Porque sei todas as emfermidades do terçeiro e 4 de Avicena, e todos os simples do segundo em arabio ; e isto me aproveitou muyto curando aquelle rey meu amiguo, e a seus filhos, posto que ao principio foi trabalho pera mim. E aproveitavame pera isto o bem que me queria o rey, que elle me ensinava estes nomes das emfermidades e mézinhas em arabio, e eu lhos ensinava em latim, do que elle muyto gostava ; e per sua causa mo ensinavam tambem os fisicos que elle tinha Arabios e Coraçones.
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RUANO
E os Gentios entendeivos com elles ?
ORTA
Muyto bem ; porém elles sam homens, que nam curam senam per esperiencia e per costume ; e he tam boa de enganar a gente portugueza, que facilmente sam enganados por elles, e o que pior he que alguns Portuguezes, ou por contentar o povo, ou por se desocupar de ceurar os emfermos, e nam querer trabalhar em especular as curas, vamse com o seu pareeer delles ; e porque ser aprazivel ao povo faz ao fisico ganhar mais dinheiro, usam loguo em principio das mézinhas delles.
RUANO
Elles usam das nossas ?
ORTA
Muytas vezes ; mas as mais dellas nam ao proposito ; porque dizem - sangrese - e elles nunqua usarão sangria, senão desque nós somos nesta terra ; bem que usavam deitar ventosas, e çarrafar, e deitar sanguexugas : oulham as agoas, segundo que soube pellos fisicos de Soldam Bhadur e do Nizamoxa, e nunqua acostumaram ver agoas, senão veem que o fazemos, e fazemno como bugios ; e daqui lhes acontece que se vem a orina branea, sem nenhuma digestam, tem a por boa, e se a vem vermelha e grossa com digestam louvada, tem a por má. Estas e outras cousas muytas soube eu delles, tomandoos pollo beiço, e porque não ha quem saiba tam pouquo que não saiba algumas cousas boas, seivos dizer que curam bem nas camaras, e pollo pulso dizem se tem febre ou não, e se está fraco ou rijo, e quai he o humor que peca, se he sangue ou colera, ou fleima, ou melamcolia : dam born remedio para as opilações.
RUANO
Dam xaropes ou agoas estiladas, e he costume antiguo entre elles ?
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ORTA
Nam, nem o usam os do Balagate, senão os que tratam aqui comnosco, que dizem loguo : dailhe xarope violado ; dailhe lambedor ; dailhe agoa contra fluxo ; dailhe agoa de chantagem ou cevada ; ou talhadas cordiaes ; ou açucare rosado com agoa de almeirões ; e nenhuma destas cousas costumavam cá na lndia, ante que viesemos ; somente sei que no Balagate usam os Mouros e Gentios de semente de emdivia, pisada, e bebida com agoa da fonte, isto cm toda maneira de febre. Não o custumavam ante que viesemos a estilar agoas, senão o costume seu proprio he dar a beber cozimentos de legumes e sementes, e çumos de ervas toscamente perparados : andam per huma rua, e a todos curam com hum frasquo que trazem.
RUANO
Nam venha ahi Galeno, que mais pragueje de Tesalo, e segundo mostraes em vossas palavras mal estaes com essa gente : ei medo que vos dêem peçonha.
ORTA
Antes todos estam hem comiguo ; porque, digem como eu nam sam muyto cobiçoso, ou, por dizer mais verdade, sam preguiçoso, deixo os curar quantas curas me tomão, e perguntolhes primeiro o que lhe ande fazer, e se he mézinha que eu conheço ser boa, ou que não fara mal, digolhe que usem della se o paciente se quer curar com ella ; e se he má, defendolha ; e se he mézinha que não sey se he boa ou má (como muitas vezes acontece) tambem lha defendo. Erram tambem estes fisicos nas graduações destas mézinhas, porque a pimenta e o cardamomo dizem ser frio, e o opio ser quente ; da anatomia nam sabem onde está o figado, nem onde esta o baço, nem cousa alguma.
RUANO
Vós não me confesses que tomaes algumas couzas delles ?
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ORTA
Si, muytas ; mas primeiro provo as mézinhas dos meus doutores, quando me não aproveitam, tomo as dos Bramenes desta terra [1].
SERVA
Aquella moça que trouxestes do Decanim, pedeme mungo, e diz que em sua terra lho davam a comer, tirada a casca, e cozido : darlhoei asi ?
ORTA
Dailho a comer, pois que o deseja ; mas milhor fora pam e frangam cozido, pois he da terra onde comem pam, e não aroz ; que he o Balagate, que o tem pouquo e em poucos cabos.
RUANO
Ha trigo nesse Balagate e em Cambaia ?
ORTA
Muyto ; posto que lhe não fazem ás terras o estercar e lavrar, como nós fazemos, senão semeamno á face da terra [2] muyto pouco lavrada, e isto por novembro ; e quando he meado de janeiro colhemno muyto, e muyto hom ; e ás vezes sem lhe chover cousa alguma, somente com o orvalho e grossura da terra, que he muyto boa pera isso.
RUANO
E que mézinha he essa, que vos falla essa moça ?
ORTA
He huma semente verde, e quando he muyto madura e preta, do tamanho do coentro sequo ; comem della os cavalos, e a gente ás vezes ; e os Guzarates e Decanins usam
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- ↑ Os medicos ou curandeiros gentios eram pralmente Sudras, como veremos na nota (2) ; mas os Brahmanes tambem se occupavam de medicina, comquanto não exercessem a clinica.
- ↑ « Semear á face » é ainda hoje uma expressão corrente em todo o Alemtejo.
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della em as febres, e todo o homem que tem febres não come 10 dias e ás vezes 15, e ao cabo delles lhe dam a beber agoa de cozimento do mungo, onde vai alguma sustançia delle ; e depois lho dam a comer, tirada a corteza, e cozido com arroz : pão de trigo lhe não dam a comer dahi a muitos dias. E mais vos contarei o que me aconteceo ; caminhando com o Soltam Bhadur, em companhia do senhor Martim Afonso de Sousa, adoeceo elle de febres, e chamoume elrey, e perguntoume como avia de curar Martim Afonso daquellas febres : eu lhe dixe que o avia de sangrar, e o avia de xaropar com enxarope feito de çumo de limões, romans e açucare, e que o purgaria com uma pouqua de manná e ruiharbo que trazia comigo, pois outras mézinhas nam avia no seu arraial de mim conhecidas. Elle me respondeo que os Portuguezes nao sahiam tam bem curar febres como os Guzarates ; porque os Guzarates não as curavam com outra cousa, senão com não comer ; e eu, por não aporfiar com elle, lhe dixe que dizia bem, e que por tanto avia 3 dias que eu nam lhe dava a comer cousa alguma ; e que já aguora o queria xaropar, e darlhe a comer alguma dieta sutil. Elle me dixe que 4 dias era muyto pouco, e que avia mester ao menos estar 20 dias sem comer cousa alguma ; e que os Portuguezes elle me confessava serem muyto bons fisicos nas outras emfermidades, mas que nas febres não sabiam tanto como os Guzarates. Eu nam quiz aporfiar com elle, porque era voluntario e o maior rey que avia na Mourama; e mais por não ser letrado, nem ter fisicos que o curassem pella nossa regra [1]. E depois alguns annos me achei em Cambaiete, cidade muito principal do Guzarate, onde hum mouro muyto rico de Tripol de Berbaria [2], que sabia falar portugues,
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- ↑ Curiosissima toda esta discussão, que teve logar no mez de novembro ou dezembro do anno de 1535, a caminho de Ahmedábád; veja-se Garcia da Orta e o seu tempo, p. 99 e seguintes.
- ↑ Tripoli, na costa africana, que Orta distingue muito bem do Tripoli asiatico, na costa da Syria, citado em outro Coloquio.
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residia ; e chamando-me pera curar seu filho de febres, que as tinha avia 4 dias, o curei, dandolhe a comer primeiro galinhas, porque avia 4 dias que não comia cousa alguma ; e depois o sangrei, e, sem o purgar, sarou das febres ; e elle me alegava o modo de curar dos Guzarates, já acima dito. Eu lhe respondi, que o çapateiro não calçava a todos com huns çapatos ; que aquelle curar he para os Gentios, que naquelle reino não comem cousa de sangue ; mas que seu filho e os mercadores ricos, que eram acostumados a comer muita carne e beber vinho, quando o tinham, aviam mester outro modo de curar. Pareceolhe bem o meu dito, e sucedeolhe milhor ; e dahi ávante os dias que ahi estive, todos os Mouros se queriam curar comigo.
RUANO
Peçovos por merce que me digaes, como se quer curar o Nizamoxa, vosso amiguo ; se desvaria muyto da nossa maneira, e contaime algum caso, que vos aconteceo com elle, se vier a proposito ; porque esses casos decraram muyto os erros que acontecem no curar [1].
ORTA
Elle vontade tinha de se curar á nossa maneira ; mas o custume da terra esta muyto em contrairo, e he mao de arrincar, em espeçial porque os fisicos letrados, que elle tinha, folgavam de comprazer á gente da terra, e contradizer a mim ; de modo, que estando eu presente o curavam de huma maneira, e ausente, de outra. E, se vos não emfadar, vos direi o que me aconteceo, curando ao seu principe erdeiro [2], que entonces era homem de 30 annos, muyto for-
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- ↑ Exactamente a exigencia de um medico moderno, pedindo observações.
- ↑ Este enfermo era Huçein, filho de Buhrán Nizam Scháh, veja-se Garcia da Orta e o seu tempo, 236 ; e as notas ao Coloquio decimo (vol. 1, p. 134).
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çoso, e bem acompreisoado e comedor. E porque aprendia a lingoa portugueza comigo, me perguntou em portugues que faria a huma sarna que tinha com muyto prorido ; eu lhe dixe que seria bom sangrarse, e tomar algum soro com ruibarbo ; elle me dixe que lbe contentava o sangrar, porque aquelles dias passados avia deitado sangue pollos narizes. E querendo fazerlho, estorvou hum fisico seu, que he senhor de muytas terras ; e, posto que o pay e o filho eram meus amiguos, folguaram de fazer o que lhe mandava o outro fisico ; porque lhe dixeram que estava muyto gastado de mulheres, avendome o enfermo dito o contrario disto ; mas aquillo foy feito por emveja dos fisicos. E dahi a 15 dias adoeceo o mesmo de febres, e o meu voto foy que se sangrase ; e os fisicos e o pai não consentiram nisso polla rezam acima dita: e mais diziam que aquillo a viam de ser bexiguas, a qual emfermidade he muyto perigosa nesta terra : eu lhe dixe que os sinaes das bexigas não os avia ahi, e que se os ouvesse, que entonces era melhor sangrarse nos tres primeiros dias, conforme ao seu Avicena [1], e darlhe alguma espersam de tamarinhos ; e elles me dixeram que era verdade que dizia aquillo Avicena, mas que o custume da terra estava em contrario ; e que tambem os Decanins tinham pera si que os tamarinhos eram ruin cousa pera as bexigas ; de modo que nem texto nem rezam me aproveitou com elles, de que bem pesou ao pay e mais ao filho ; porque loguo lhe começaram a dar agoa de cozimento de figos e funcho e avenca, e açafram, pera que saissem as bexiguas, as quaes nunca sairam. E por elle estar em cabo muito quente, sairamlhe somente humas burbulhas muito miudas pollas costas, as quaes nam foram bexigas, nem serampam, e elles me diziam que eram bexigas, e que por ali se avia de determinar a febre ; e eram já passados 14 dias, e nam se tirava a febre, nem avia mais sinaes de bexigas, nem o queriam sangrar, nem purgar, nem lhe davam a comer, senão mungo, e agoa de espersam de
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- ↑ Avicena, 4, 1 (nota do auctor).
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arroz, e o pecador morria de fome ; e queixavaseme disso cada dia em portuguez. E per derradeiro aconselhei ao pai, que o mandasse sangrar, que milhor era tarde que nunca, e lhe desse a comer galinhas gordas, pois era tam comedor e bebia vinho do nosso, quando era são. Pareceo bem ao pai o conselho, e ao filho milhor. Sangreio duas vezes copiosamente, e deilhe de comer muyto bem, e disto nam souberam nada os fisicos, per conselho de elrey, até ver o suceso ; e acabados os 20 dias esteve sam, sem febres nem burbulbas, estando seus fisicos com este suceso contentes, gabandose em o modo de curar, lhe pediram alviçaras. Respondeo o pae que, per sua cura mereciam asados, que, se eu nam fora, seu filho erdeiro fora morto. Então lhe contou a maneira que tevera eu em o curar depois dos 14 dias pasados ; e elles, em ouvindo, meteram o dedo na boca dizendo Alá quibir, que quer dizer Deus grande ; mas nem por isso ficaram envergonhados, nem corridas (2).
RUANO
Merce vos faria o rey e o filho ?
ORTA
Si, fizeram.
RUANO
E o mungo que chamais, pareceme que não escreverão delle os Arabios, nem os Gregos, posto que he cá tam usado.
ORTA
Na Palestina sei que o ha, segundo dixe hum mouro, que dahi he ; e tambem Avicena escreve delle no segundo livro cap 489 [1], e isto ante de o saber me custou asaz travalho, e chamase mesce, e o Belunense emenda més, mas eu soube dos fisicos e de outros letrados que se ade dizer mex, e a letra do cabo ade ser pronunciada com os dentes
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- ↑ Avic. I, cap. 489 (nota do auctor) ; ou cap. 488 da edição de Rinio.
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muyto fechados ; porque asi a pronunciam elles. E bem se que isto nam releva muyto, nem contar vos as estorias que vos contei, mas muytas vezes as conta Galeno, ao quai eu nam sam digno de desatar as correias dos seus çapatos ; portanto perdoai o sobejo, que, des que homem entra a palrar, desenfrease e palra muyto ; mas vós podeis não escrever mais que o neseçario disto.
RUANO
De mais vos guarde Deus, que de menos nam ei de escrever ; e dizeime se fala em algum outro cabo Avicena deste mex ?
ORTA
No primeiro livro na fem terçeira no capitulo 7 [1], diz que nam comam aves com mex, e diz bem, porque se digerem primeiro que o mex, e entonces penetra o mex indigesto (3).
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- ↑ Avic. Lib. 1, cap. 7 (nota do auctor) ; isto é Lib. I, Fen III, Doctr. II, cap. 7 ; o fen, uma das divisões do livro arabe, conservou-se com o mesmo nome nas versões latinas.
Nota (1)
A identificação das patecas suscita um certo numero de difficuldades á em parte apontadas por H. Yule e A. Burnell em um interessante artigo do seu Glossary, e que ê necessario examinar brevemente.
Queixando-se Ruano de que os melões de Goa eram de inferior qualidade, Orta diz-lhe, que mais ao norte, em Diu e em Hormuz, ou nas terras mais altas e temperadas do interior, no « Balagate », se encontravam melões tão bons ou quasi tão bons como os da Hespanha ; falla evidentemente do vulgar Cucumis Melo, Linn., e sobre isto não pode haver hesitação.
Refere-se depois a outros melões, a que chama melões da India ou patecas, os quaes devem ser o que hoje chamâmos melancias, Citrullus vulgaris, Schrad. (Cucurbita Citrullus, Linn.). O que nos diz do fructo ser redondo ; de não ser tão doce como os nossos melões, mas suave, frio, humido, desfazendo-se todo em agua ; das suas
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sementes, a principio brancas, se tornarem pretas na maturação ; tudo isto se applica muito naturalmente á melancia. Os nomes citados levamnos igualmente a julgar que elle falla das melancias. « Batiec », isto é o arabico bittikh, ou no modo mais vulgar de pronunciar battikh, applica-se geralmente á melancia, comquanto por vezes se tenha dado a outros fructos de cucurbitaceas. « Calangari » é a palavra maratha kalingar, que - segundo Yule e Burnell - designa o water melon, ou melancia. « Pateca » era entre os portuguezes do Oriente synonymo de melancia : « pediu o mouro uma pateca ou melancia », diz Gouveia, citado no Vocabulario de Bluteau. A mesma palavra, na forma bateca, é dada por fr. João de Sousa nos Vestigios como um dos nomes da melancia. Rumphius, fallando da melancia no seu Herbarium amboinense, chama-lhe Anguria indica seu Batteca. Finalmente recordaremos o francez pasteque, que designa o mesmo fructo. Tudo isto é claro e conclusivo, no sentido de identificarmos a pateca de Orta com o fructo do Citrullus vulgaris ; mas vejamos o outro lado da questão.
Orta mostra as patecas a Ruano como uma cousa nova para elle (Ruano), isto é, desconhecida na Hespanha. Poderemos por ventura interpretar esta passagem, como significando que os portuguezes não conheciam então as melancias, ou - como dizem Yule e Burnell - as implying that the water melon was strange to the portuguese of that time ? Não me parece de modo algum acceitavel esta conclusão. A melancia, cultivada desde tempos muito antigos na bacia mediterranica, não podia ser desconhecida na Peninsula. O proprio Orta nos diz, que tinha visto em Castella budiecas e samdias. Recorrendo aos diccionarios hespanhoes, encontrâmos no de Covarrubias e no da Academia as palavras, albudeca, badea e sandia, como nomes diversos de um mesmo fructo, que o diccionario da Academia define : unos melonazos mui grandes, que em Roma se lhaman melones de agua. Segundo Covarrubias, albudeca usava-se mais na Catalunha e Valença, e badea na Castella. Pedro de Alcalá no seu Vocabulista (1505) dá o nome arabe em caracteres hespanhoes, al-baticha. Effectivamente albudega, albuteca, bateca, pateca e badea vinham do arabe بطيخة ~ bittikha, ou com o artigo البطيخة , al-bittikha. Todos estes nomes designavam a sandia ou melancia, e o facto de Pedro de Alcalá citar em 1505 um nome vulgar, o simples facto da origem arabe de muitos nomes portuguezes e hespanhoes, provam que a introducção e cultura na Peninsula da especie Citrullus vulgaris remontava a uma epocha bastante antiga, provavelmente aos primeiros tempos da dominação mussulmana. É indubitavel que Orta conhecia a melancia, chamando-lhe « budieca » e « samdia » ; como é, pois, que elle dá as patecas da India por uma cousa nova ? Admittiremos que elle quiz designar por aquelle nome um fructo diverso ? O arabe battikh parece ter tido uma applicação um tanto vaga, dando-se a varias cucurbitaceas, entre as quaes se fizeram sempre nume-
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rosissimas confusões, tanto na linguagem vulgar como na nomenclatura scientifica ; e o proprio Orta diz que o melão se chama « batiec », e o outro fruto « batiec indi ». Apesar d'isso, battikh designou mais especialmente a melancia, e o seu derivado pateca ou bateca, como vimos já, applicou-se sempre áquelle fructo. E, pois, difficil admittir, que Orta desse á palavra pateca um sentido diverso do que lhe davam todos os mais. Por outro lado, tambem não é facil encontrar um fructo de cucurbitacea, que não seja a melancia, e corresponda de um modo geral a descripção de Orta, sendo agradavel ao paladar, comido cru, e tendo sementes pretas. É forçoso admittir que a pateca de Orta era a melancia ; e a unica explicação plausivel das suas palavras será, que elle encontrou na India alguma variedade cultural do Citrullus vulgaris, e a não soube identificar com as sandias, que muitos annos antes tinha visto em Castella. É a unica explicação que encontro, e dou-a pelo que póde valer, pois me não satisfaz completamente.
(Cf. as palavras citadas em Yule e Burnell, Glossarty ; Bluteau, Vocabulario ; Dicc. de la lengua castellana ; Sousa, Vestigios ; Dozy, Gloss. ; veja-se tambem Rumphius, Herb. Amb., V, 400 ; Cogniaux in Monogr. Phanerogamarum, III, 508, Paris, 1881 ; De Candolle, Orig. des plantes cultivées, 209.)
Estava escripta e impressa esta nota, quando reparei na referencia ás patecas, que Orta faz adiante em um dos ultimos Coloquios. O dr. Dimas Bosque estabelece ali a identificação das patecas com as balancias, e Orta, apresentando ainda algumas objecções, mostra-se pouco seguro na sua opinião, e disposto a admittir que se havia enganado. Isto confirma, pois, a nossa conclusão.
Nota (2)
As noticias, dadas n'este Coloquio ácerca de medicina mussulmana e de medicina hindu, constituem sem duvida uma das partes interessantes do livro ; mas estas questões são conhecidas de um modo gerai, e unicamente nos occuparemos do que diz respeito ao esercicio d'aquella medicina em Goa e suas dependencias, no tempo de Orta.
O medico portuguez distingue de um modo claro os hakims, ou medicos mussulmanos, seguindo o systema Yunáni, dos vidyas [1], ou medicos hindus, seguindo o systema Vaidak. Tem evidentemente maior consideração pelos primeiros, e comprehende-se bem que assim succe-
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- ↑ Vidyas ou Vityas. Orta não empreqa nenhum d'estes nomes, e parece que não eram conhecidos doa portuguezes do seu tempo.
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desse. Entre a sua sciencia e a d'aquelles physicos « Arabios e Coraçones » havia estreitas relações. O Qanún de Avicenna, uma das principaes fontes dos conbecimentos dos hakims, tinha sido o compendio de Garcia da Orta nas aulas de Salamanca. Os livros de Rasis, de Mesué e outros, e mesmo as versões dos gregos andavam-lhes nas mãos, como elle diz explicitamente logo no Coloquio segundo. Com a sua leve tintura de arabico, sabendo de cór os nomes das « mézinhas » e das « emfermidades », que lhe ensinára o seu amigo Buhrán [1], Orta podia, pois, discutir com elles, porque tinham um fundo commum de noções e de principios. Na curiosa conferencia em que debateram o tratamento a applicar ao filho de Buhrán, Hucein, Orta cita-lhes para os convencer textos de Avioenna. Nem texto nem rasão os persuadiu, porque os prendia a rotina e o « custume da terra » ; e esta expressão mostranos como Orta conhecia um facto que ainda hoje se dá, como conhecia a influencia exercida no systema Yunáni pelo Vaidak, a modificação que a medicina mussulmana experimentou na lndia, no contacto com a hindu.
Orta julgava-se, e evidentemente era, muito superior aos hakims em sciencia medica ; mas chama-lhes « fisicos letrados », e vê-se que tratava com elles de igual a igual. Alem de lhes reconhecer illustração, encontrava-os nas côrtes dos principes mussulmanos, onde tinha de usar a seu respeito de certa diplomacia. Com effeito, da leitura dos Coloquios deduz-se que Orta tratou com os hakims principalmente no interior ou no norte. Pôde encontrar casualmente um ou outro em Goa ; mas em gerai viu-os e conferenciou com elles no Balaghate, ou em Cambaya, na côrte de Bahádur Scháh, na de Berid Scháh, cujo irmão foi tratar, e sobretudo na do seu amigo Buhrán Nizam Scháh. Parece, pois, que elles não vinham a Goa, pelo menos com frequencia, e assim devia succeder. A sua qualidade de mussulmanos tornava-os particularmente suspeitos, e nem os medicos portuguezes estariam dispostos a acceital-os ali em pé de igualdade, nem elles se sujeitariam a occupar uma posição inferior.
Não succedia o mesmo com os vidyas ; estes eram numerosos em Goa, e conformavam-se pacientemente com a sua situação modesta. Em um dos Coloquios seguintes, Orta põe em scena um « fisico » gentio, cbamado Malupa ; trata-o com muita amabilidade, mas com a condescendencia de um superior, como um medico antigo trataria um mestre sangrador. Não havia n'isto simples arrogancia europêa ou portugueza, mas tambem um reflexo dos prejuizos indianos, porque os vidyas em geral eram sudras, isto é, de casta muito baixa. É certo, que a sua situação em Goa foi modesta, e, quando alguns mais ricos se quizeram elevar, as suas pretensões foram reprimidas pelas auctoridades portu-
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- ↑ Veja-se o que eu disse sobre este ponto na Vida de Garcia da Orta, p. 243 e seg.
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guezas com muita sem ceremonia. Um documento pouco posterior a Orta é explicito a este respeito, e merece ser reproduzido :
« O governador da India etc. Faço saber aos que este meu alvara virem que eu hey por bem e me praz e por este mando a todos os panditos [1] e phisicos gentios que não andem por esta cidade e arrabaldes della a cavallo nem em andores e palanquins, sob pena de pagarem pela primeira vez dez cruzados, e pela segunda vinte para o sapal, e perderem os taes cavallos e andores e palanquins, e pela terceira serem cativos para as galés d'ElRey meu senbor ; e isto se não entenderá no pandito que cura minha casa e he meu phisico. Notefico assy ao Ouvidor geral etc. Antonio Barbosa o fez em Goa a 15 de Dezembro de 1574 - Governador, Antonio Moniz Barreto. »
O alvará é curioso, porque mostra como o governador collocava rudemente os panditos e vidyas em uma situação subalterna, e ao mesmo tempo declarava ter um d'elles para physico da sua casa. De resto, isto está plenamente de accordo com o que Orta diz por mais de uma vez, citando-nos casos de fidalgos honrados que se queriam curar com os medicos da terra ou com os malabares. A casa do proprio Orta vinha todas as manhãs um d'aquelles medicos tratar as negras. Resulta do que levâmos dito, que o exercicio da medicina hindu em Goa e terras portuguezas, sem ser muito considerado, era no emtanto perfeitamente legal e devia ser lucrativo. Os vidyas tinham como clientes todos ou quasi todos os naturaes, e alem d'isso muitos portuguezes, desejosos de novidade, e credulos como são em geral os doentes - « gente boa de enganar ».
Em ultima analyse, o nosso medico portuguez não é muito severo com os vidyas ; accusa-os, como todos os que d'elles tem fallado, de não saberem uma palavra de anatomia ; condemna muitas das suas praticas, particularmente as abstinencias prolongadas e exageradas a que sujeitavam os doentes ; descreve comicamente o modo por que imitavam os medicos europeus sem os perceber ; mas reconhece que tratavam bem certas enfermidades ; admitte que dispunham de uma materia medica valiosa ; e, quando lhe perguntam se aprendeu alguma cousa com elles, responde franca e categoricamente : - « Si, muytas ».
Se compararmos a sua apreciação com a que faz o viajante francez Sonnerat dois seculos depois, veremos quanto ella é benevola. Sonnerat descreveu aquelles medicos como simples curandeiros sem sciencia e sem consciencia ; como homens de varios officios, lavadores de roupa, ferreiros, tecelões, que á falta de trabalho se mettiam a tratar doentes para ganhar a vida. Isto é evidentemente exagerado, e o que disse no
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- ↑ Do sanskr. pandita, um homem instruido, versado nas sciencias ou nas leis ; a palavra é hoje muito usada pelos inglezes nas formas pundit e pandit.
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fim do seculo passado o illustre William Jones, ou já no nosso erudito e escrupuloso Whitelaw Ainslie, deve ser mais proximo da verdade, e está mais de accordo com o que havia dito Garcia da Orta alguns seculos antes. Reconhecendo a ignorancia de alguns vidyas e o puro empirismo da sua pratica, Ainslie reconhece tambem, que muitos são activos, desejosos de acertar e conhecedores de uma vastissima materia medica, na qual ba muitas cousas aproveitaveis, ao lado de muitas inuteis e de algumas prejudiciaes. Ainda recentemente, no congresso de orientalistas celebrado em 1891, nós vemos como os trabalhos relativos a medicina indiana, apresentados pelo pandito Janardhan e por outros vidyasu illustrados, foram recebidos com geral interesse, reconhecendo-se o valor scientifico do Vaidak Hindu. É muito de notar, que o nosso Orta tivesse ha tres seculos, a perspicacia e alargueza de espirito, necessarias para reconhecer e confessar que tinha aprendido muitas cousas com os vidyas.
Orta parece ter conhecido diversas classes de vidyas ; e em uma passagem diz : « eu pergunto estas cousas aos fisicos grandes, Arabios e Gentios ». Mas, em geral, só teve relações com os que exerciam a clinica em Goa, sudras pela maior parte, bastante ignorantes de litteratura sagrada, e - como elle diz - curando apenas « per experiencia e per custume ». D'aqui resultou o facto de elle não alcançar noticia da litteratura medica dos hindus, como já indiquei mais largamente na sua Vida. Por um lado, os vidyas com quem fallava conheciam mal a sua propria litteratura, e não estavam dispostos a revelarem a um estrangeiro o pouco que d'ella sabiam ; e, por outro, era-lhe difficil reconhecer nas breves menções de um Xarch indus, ou de um Scerak indum, encontradas nas suas versões latinas de Avicenna ou de Serapio, referencias ao veneravel e lendario escriptor sanskritico Charaka. Quanto ao conhecimento directo da litteratura sanskritica, esse estava fóra da questão. As noçôes de medicina, contidas no Atharva Veda, ou nas obras de Charaka e de Susruta, que, nos fins do seculo passado e principios d'este, começaram a ser reveladas a Europa pelos trabalbos de sir W. Jones, de Colebrooke ou de Wllson, eram então letra morta. No tempo de Orta apenas se começava a suspeitar da existencia de livros sagrados, escriptos em uma lingua que se não entendia, e em caracteres que se não decifravam [1],- esses livros que, annos depois, Diogo do Couto chamava os « Vedáos », escriptos « no seu latim ». Era, pois, naturalissimo, que Orta não soubesae das noções medicas contidas n'aquelles livros, e julgasse que os vidyas curavam unicamente « per custume » - por uma sciencia tradicional e puramente oral.
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- ↑ Souza, no Oriente conquistado, diz que o padre Belchior Carneiro obteve em 1559 alguns manuscriptos, roubados a um brahmane das terras firmes de Goa.
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(Cf. Garcia da Orta e o seu tempo, 237 a 247 e 337 ; Sonnerat, Voyage aux Indes orientales, I, 110 a 121 ; Ainslie, Mat. Ind., II, V a XXXVII ; Royle, Ant. of Hindoo med., 47 e seguintes ; The Imp. and Asiatic quarterly rewiew (october 1891), p. LXXXV ; Zimmer, Altindisches Leben, 374 e seguintes, Berlin, 1879 ; para a Goa moderna, algumas interessantes indicações, em Lopes Mendes, India portugueza, II, 107.)
Nota (3)
O Mungo é o Phaseolus Mungo, Linn., uma leguminosa, cultivada com muita frequencia na India, e particularmente apreciada nos annos de escassez, em que falta o arroz. É tambem cultivada em outras regiões quentes, como o Egypto, e deveria sel-o na Palestina, como disse o mouro a Orta. De uma phrase muito obscura do texto, póde talvez concluir-se que Orta conhecia a variedade de sementes verdes, Phaseolus Mungo, Linn., e Roxburgh ; e a variedade de sementes pretas, Phaseolus Max, Linn., e Roxburgb.
O mes ou mex ou mesch de Avicenna, ماش, a proposito do qual Orta nos dá uma curiosa lição sobre o modo de pronunciar a letra schin, era evidentemente uma semente de leguminosa, e provavelmente um Phaseolus ; mas não é facil decidir se seria propriamente o Phaseolus Mungo. O nome especifico Max, dado por Linneu em 1753 á variedade de sementes pretas, parece ser procurado em uma designaçio vulgar, o que viria confirmar a identificação de Garcia da Orta. Confesso, porém, não saber qual a origem d'este nome linneano.
Na segunda citação de Avicenna, Orta enganou-se ; a palavra vem escripta mest, e os annotadores explicam-na : lac coagulatum acetosum, sed minoris acetositatis quam lac coagulatum. Parece, pois, que Avicenna recommendou que não comessem came de aves com leite azedo, o que alem de ser indigesto devia ser pessimo.
(Cf. Roxburgh, Flora Indica, III, 292 e 294 ; Avicenna, Qanun, Lib. 1, Fen III, Doct. II, cap. 7, p. 118 da edição de Rinio ; e Lib. II, cap 488 ; Clusius, Exotic., 236 e 252.)