Coloquio 18 (Garcia da Orta)

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Coloquio 17
Garcia da Orta, Coloquios dos simples, 1563)
Coloquio 19

COLÓQUIO DECIMO OCTAVO DA CRISOCOLA E CROCO INDIACO, QUE HE AÇAFRÃO DA índia, E das CURCAS INTERLOCUTORES ruano, orta, serva RUANO Encomendaramme e ensinaramme em Portugal que levase de qua iitical; e porque se chama cnsocola, será bem que façamos delle aqui mençam, e que o leve de qua. ORTA Si; mas he das drogas defesas, e por pouquo perdereis o muyto. RUANO Não o quero levar, senam quero saber onde o ha e o nome delle. ORTA Chamase bórax e crisocola, e tincar em arábio, e os Guzarates asi o chamam: não se usa na física indiana senão muyto pouco, e pêra sarna e cirurgia: nem nós a usamos muyto, senão entra no unguento cetrino, e nos outros afeites das molheres; e pêra os dentes e sarna. E he mercadoria que se gasta em todas as partes, pêra o ouro e os outros metaes serem bem feitos e conglutinados; e esta, que vay de qua, he minério em huma serra que está apartada da cidade de Cambayete cem léguas nossas; e trazem a vender ahi e a Amadabar*, e vem das bandas de Chitor e Mandou, em mu3ia cantidade delle; porque em todas as terras se gasta muyto (i). * «Madabar» na ed. de Goa; mas por erro evidente. Veja-se o Colóquio anterior.

278 Colóquio decimo octavo RUANO Pois nisto nam ha mais que falar, falemos no que chamais acafram da terra. ORTA Essa mezinha he pêra falar nella, porque a  usam Indianos médicos; e he mezinha e mercadoria que se leva muyta pêra Arábia e Pérsia; e nesta cidade ha pouco delia, e no Malavar muyto, scilicet, em Cananor e Calecut.  Chamão os Canarins a esta raiz alad; e os Malavares  também lhe chamão asi, mais propriamente manjale:, e os Malayos cunhet; os Pérsios dar^ard, que quer dizer páo amarello; e os Arábios habeí: os quaes todos, e cada um per si, dizem que não o ha na Pérsia, nem na Arábia, nem na Turquia este açafrão, senão o que vay da índia. RUANO Parece rezam, pois esta he mezinha e tem  nome arábio, que esteja por algum Arábio autor escrita? ORTA Rezão tendes,  mas não ouso afirmar as cousas sem primeiro as ver bem; e porém eu tenho pêra mim por certo que Avicena escreve deste açafram da terra no capitulo 200*, chamandolhe caliduuium ou caletfium; e fala nisto Avicena como homem que o nam sabe bem; e alega as sentenças doutros,  como de cousa que não avia em sua regiam; e não he muito enconveniente o  nome arábio agora ser corrompido; porque parece que os Arábios lhe  chamavam como os índios, aled, e lhe corromperão o  nome chamandolhe caletjium; e mais me faz cuidar isto ser verdade ver, o capitulo de feçe de ciircuma* ou curcumani, que  também se conforma  com elle; e por tanto vede ambos, e achareis ser verdade o * Avicena, lib. 2, cap. 200 (nota do auctor); veja-se a nota (2). ** «De feçe», isto é de fcvx, ou das fe^es de curcuma; veja-se a nota (2).
[279]que digo; porque Avicena, quando duvidava de  huma cousa, fazia delia dous capitulos. RUANO  Não me parece rezam isso ; porque diz que he meimiram, que sabemos ser çilidonia. ORTA  Não tenho isto por muyto certo; porque nestes dous capitulos faz esta mezinha amarella, e diz aproveitar muyto aos olhos; e porque estas cousas convém á çilidonia, dixerão ser esta mezinha çilidonia; mas muyto maior rezão será qualquer destes simples conteúdos nestes capitulos ser açafram da terra, RU.VNO Pêra que o usam nestas terras? ORTA Pêra tingir e adubar os comeres; asi aqui como na Arábia e na Pérsia; inda que lá aja o nosso açafram, usam deste por mais barato; e qua usam do açafram  também em física, mais que pêra tudo, pêra os olhos e pêra a sarna, misturado  com çumo de laranja e azeite de coquo. E pois nestes capitulos o louva Avicena pêra estes efeitos, este deve ser, que asi he usado; e Avicena falou com duvida nisto, porque por ser cousa fora de sua terra o não sabia bem; e por isso vos fique ser mezinha boa pêra levar pêra Portugal (2). SERVA  As curcas que de Cochim vieram, quer vossa mercê que lhas façam em caril  com galinha, ou que as lance no carneiro? ORTA Em ambas as cousas as podes lançar; e entanto traze hum pouco de açafram da terra, verde. RUANO E que cousa he curcas do Malavar? 

[280]Colóquio decimo odavo ORTA São huns grãos brancos, mayores que avellans, com casca e não tam redondas; sam brancas, e sabem como tubaras da terra cosidas ; e ha as no Malavar, onde lhe chamão chiviqiiilengas, que quer dizer jnihames pequenos: também me convidou com ellas em Çurrate, cidade de Cambaya, Coje Çofar, natural de Apulha, feyto mouro; e dixeme que as avia no Cairo mu3^tas, e que também lá se chamavão curcas; e em Cambaia, donde isso era, me dixe que se chamavão carpata; semeãose no Malavar, onde as eu vi primeiro, e naçem em ramos. E pois não he cousa de física, pasemos avante, sem mais falar nella;e se vos souberem bem, levalaseis pêra o caminho quando fordes (3). SERVA * Vedes aqui o açafram verde e o seco; scilicet, a raiz. RUANO Primeiro quero que me digaes se escreveu algum escritor deste simple, ao menos Arábio. ORTA Não me affirmo muyto aver capitulo desta mezinha; senam falando por huma congeitura, acho que escreveo delia o Serapio, e chamalhe abelculcut; e está corrompida a letra, e ha de dizer hab alculcul, que quer dizer curcas, ou per ventura nós lhe corrompemos o nome em lhe chamarmos curcas. Isto digo porque hab quer dizer em arábio semente grande, e ai he articulo de genetivo; e também me movia dizer isto, porque o Serapio diz que o muyto uso delias faz colérica passio, e que acresenta a semente; e todas estas cousas dizem os mesmos Malavares, por onde me parece que tudo he hum. Também Rasis* falia destas curcas, e chamalhe quilquil, por ventura corrompidamente. E oulhay a raiz do açafram verde e sequa. * Rasis, 3, ad Almansorem (nota do auctor).

[281]RUANO Por dentro he bem amarelUr, e por fora parece como gengtire; e a folha he como da cana do milho; he maior, e o ramo he feito de folhas*; e a raiz nam queima, nem amarga muyto quando he verde; e se queima, com a muyta humidade não se sente. ORTA Provay a seca: esta raiz queima, mas não tanto como o gengivre; por onde me parece que não será mal tomada por dentro, e asi não ponho duvida em ser curcwna. RUANO A mercê que de vós quero he que cuideis bem nisto, e saibais dos físicos cada dia o que sabem delia, e torneis a ver os capitules: e eu também os verei oje, pêra amanhã tornarmos a falar niso. E isto he bom, porque o que oje nam sabemos, amanhã saberemos. ORTA Quanto mais olho os capítulos, tanto mais me parece ser verdade o que digo; porque alguns dizem que curcimiani q jiieimiram he ruiva de tingir; e ambas as raizes se parecem huma com outra. * Esta expressão, um tanto singular na forma, pôde todavia applicar- se ás folhas envaginadas de uma Scitaminea, ou de uma Miisacea; e prova que Orta examinou com attenção aquelles falsos caules, formados de peciolos sobrepostos. Nota (i) O «bórax», ou «crisocolla», ou «tincal» de Orta, era uma substancia bem conhecida, um borato de soda natural, que teve importância no commercio; mas hoje é geralmente substituido pelo que se prepara com o acido bórico, extrahido das lagoni da Toscana. O nome de chrysocolla vinha-lhe do seu emprego como fundente nos trabalhos de ourivesaria; e o de tincal, aliás muito conhecido, é

[282] uma ligeira alteração do persiano —Orta diz arábico — jL^*, tinkar, que deve vir do sanskrito tankana. Em muitos livros antigos e relativamente modernos, como nos tratados de Mineralogia de Dufrénoy, de Delafosse e outros, se lê a affirmação vaga de que esta substancia vinha da índia; mas não encontrei confirmação segura de tal noticia, e muito menos de que fosse- «minério em huma serra . . . apartada de Cambayete cem léguas nossas». Parece que se extrahia principalmente de alguns lagos do Thibet, e d'ali, pelos desfiladeiros do Himalaya, a traziam aos portos occidentaes da índia. Vinha, portanto, pela índia, e não da índia. Orta, suppondo-a procedente das montanhas de Mandú e de Chitor, teve o mesmo engano, que já no Colóquio anterior tivera a propósito do costo. E conhecido o uso industrial d'esta substancia no trabalho dos metaes; e o seu emprego na medicina indiana foi também mencionado por Ainslie, se não propriamente na «sarna», pelo menos em affecções aphtosas e cutâneas (Cf. Ainslie, Mat. ind., i, 45). Pelo que diz Orta se vê, que era «droga defesa», isto é, cujo commercio estava vedado aos particulares. Já, nas notas ao Colóquio anterior, vimos como o costo e o incenso eram drogas defesas no trato com a China, e a propósito da pimenta teremos occasião de fallar mais largamente d'estas prohibições. Nota (2) O «croco indiaco» de Orta é o rhizoma da Curcuma longa, Linn., uma planta da família das Scitaminece, cultivada com frequência na índia e outras terras da Ásia. Esta droga é chamada pelos inglezes íurmeric, o que parece ser a corrupção de um nome da antiga pharmacia, terra merita; mas é mais geralmente designada pelo nome de curcuma, do persiano kurkum. Vejamos agora os nomes vulgares do nosso escriptor: —«Alad» entre canarins e malabares. Este é o conhecido nome hindi e bengali, halad (Dymock, Mat. med., 764). —«Manjale» entre malabares. O nome tamil manjai (Dymock, 1. c). —«Cunhet» entre malayos. Varias formas d'este nome se usam nas diversas partes do archipelago, por exemplo, cunjet, entre as gentes de Macassar (Rumphius, Herb. amb., v, i65). —«Habet» entre árabes. É um nome que não encontrei, quer esteja muito alterado, quer escapasse ás minhas investigações. —«Darzard» entre os persas, significando «pau amarello». A explicação é exacta; dar significa pau ou madeira, e :^ard amarello. No nome hoje mais usado da droga, t^ard-chubah, entra o mesmo adjectivo (Dymock, 1. c).

[283]—Alem de citar estes nomes orientaes, Orta designa a droga pelo de croco indiaco e açafrão da terral Apesar de o rhizoma da Curcuma ser uma cousa absolutamente diversa dos stigmas do Crociis, que propriamente constituem o açafrão, houve sempre uma certa tendência a approximar as duas substancias, pelo facto de servirem para temperar a comida e de a tingirem fortemente de amarello. É assim, que um dos nomes do açafrão, kurkiim, veiu a designar mais especialmente a curcuma. Ibn Baithar explica claramente esta deslocação de nome. Paliando do rhizoma da curcuma, diz assim : ... «os habitantes de Basra chamam a esta raiz al-kurkum, e al-kurkum é o açafrão; e chamam-lhe açafrão, porque tinge de amarello como faz o açafrão (Ibn Baithar, versão de Sontheimer, citado por Yule e Burnell, Glossary, palavra saffron). O commentario do nosso Orta aos capítulos de Avicenna é muito confuso, porque a questão é muitíssimo obscura. O capitulo, que elle chama: «de feçe de curcuma ou curcumani», é o cap. i65, e começa por estas palavras: Crocoma quid est? Dicitur quod est f(xx olei de croco ... O resto do capitulo, aliás curtíssimo, nenhum esclarecimento dá. E por aquellas palavras, o medico árabe parece referir-se aos resíduos de algum preparado do Crocits, e não á Curcuma. O outro capitulo citado (199 e não 200, como Orta diz) intitula-se: De Caucho i. Chelidonio maiori. Em notas marginaes vem os nomes mencionados por Orta, Chalidunium e Chaledfium. O texto de Avicenna diz assim na versão : Chaucum quid est ? Dixerunt quidam, quod est Vene. Et ipsa quidem dicitur Memiran. Et dixerunt alii, qiuv de ea est parva est Memiran, et qua.' est magna, est Alvardachale, vel Alvardachule, vel Alxardahune. Como se vè, a trapalhada não pôde ser mais completa, e difficil será encontrar a explicação d'este enygma. Na exposição do Bellunense temos a seguinte informação : vena^ citrincv apud Árabes sunt curcuma, apud alios vero sunt radices memiran. Da primeira parte pôde deduzir-se, que Avicenna quiz fallar da curcuma, como suppoz Orta; mas na segunda apparece-nos de novo o tnemiran. D'éste, diz o mesmo Bellunense: Memiran est radix nodosa, non multum grossa, citrini coloris sicut curcuma . . . et aportatur ex índia . . . et usitatur in passionibus oculi. Como se as cousas não estivessem ainda bastante enredadas, vieram os commentadores, e disseram que o memiran dos árabes era o xcXtWviov ]j.é-^% dos gregos, e que este era a vulgar cdidonia maior (Chelidonium majus, Linn.). Orla conhecia esta identificação, e —com toda a rasão— a põe em duvida, e se mostra pouco disposto a acceital-a. Mas, apesar de conhecer muitas drogas da índia, não conhecia todas, e não conseguiu desfiar completamente a meada. ' Isto é, d'aqiiella terra. Esta expressão portugueza da terra, geralmente mal interpretada pelos traductores, e que significa o que é próprio da região, em opposiçáo ao que vem de fora, é equivalente ao qualificativo arábico beladi.

[284] O que parece provável, é que Avicenna e outros árabes conhecessem muito imperfeitamente varias drogas, consistindo em raizes ou rhizomas mais ou menos grossos, mais ou menos amarellos na fractura, trazidos em geral da índia, e alguns considerados efficazes no tratamento das doenças de olhos. E claro, porém, que não distinguiam bem essas drogas entre si; e é hoje extremamente difficil procurar o que fosse o alvardachale ou o alvardachule. O que se pôde apurar como provável, é que, sob o nome de Ven<:e, de Memiran e outros, elles se deviam principalmente referir a três drogas: os rhizomas da Ciircinna longa, Linn., de que antes falíamos; os do CoptisTeeta, Wallich, uma planta da familia das Ranunculacece, espontânea nas montanhas de Michmi, a leste do Assam, e que ainda hoje se encontram nos bazares da índia, são considerados um medicamento importante nas doenças dos olhos, e são designados pelo nome de mahmira; os do Thalictrumfoliosum, D. C, da mesma familia, que procedem das vertentes do Himalaya, têem nos bazares do Panjáb o nome de momiri, e são muitas vezes confundidos com os da planta precedente. A primeira droga, a Curcuma, era bem conhecida de Orta ; mas as outras duas vinham de mais longe, deviam ser raras nos bazares, sobretudo nos bazares da costa, e não admira que escapassem ás suas investigações. Por isso elle se achava um pouco desarmado em frente da intrincada e barbara nomenclatura de Avicenna. É certo, no emtanto, que se não sabia bem o que fosse o memiran, não estava nada disposto a admittir que fosse a celidonia, e n'isso tinha toda a rasão (Cf Avicenna, lib. i, tract. 11, cap. i65, 199 e 486; Andrete Bellun. Arabic. nom. interpretratio, palavras vence e memiran; Yule e Burnell, Glossary, palavra mamiran; Pharmacographia, 3; Pharmacopceia of Índia, 4 e 5). O uso da curcuma para «tingir e adubar os comeres» é vulgarissimo em todo o Oriente, sendo um dos ingredientes essenciaes do caril. É considerada também cordial e estomachica; applicada ao tratamento das doenças cutâneas, e, segundo o nosso padre Loureiro, ao de variadíssimas enfermidades (Cf. Drury, Useful plants, 169; Ainslie, Mat. ind., I, 454; Loureiro, Flora Cochinchinensis, i, 9). Nota (3) As «Curcas» do nosso escriptor não são muito fáceis de identificar^. Apesar de elle dizer que «nacem em ramos», creio que deve fallar de ' No meu trabalho sob:e Garcia da Orta (p. 216) identifiquei-as sem bastante reflexão com a Curcuma angustifolia, o que é evidentemente um erro.

[285] órgãos subterrâneos; e por isso faz a referencia aos «ynhames», e ao gosto de «tubaras da terra». Parece pois que seriam uma espécie de Colocasia, e provavelmente a Colocasia indica (Arum indicum de Loureiro e de Roxburgh). Esta espécie tem uma raiz fibrosa, e numerosos tubérculos pendentes, por onde elle poderia dizer «nacem em ramos». Alem d'isso os tubérculos são comestiveis, e entram ás vezes na constituição do caril, como Orta diz das ciircas (Cf. Roxburgh, Fl. indica, III, 498). Parte dos nomes vulgares, que Orta cita, pertencem no emtanto á espécie mais conhecida, Colocasia antiquorum, Schott. — O primeiro é o de curcas, o qual, segundo Orta diz, era também usado no Cairo, onde a planta era bem conhecida. Prospero Alpino, que, no século de Orta (i 58o- 1584), viu a Colocasia antiquorum cultivada no Egypto, diz que lhe chamavam cuícas; e o botânico francez, Delile, dá o mesmo nome nas formas qolkas e koulkas (pronunciar hulhas). O sr. Dymock menciona um nome arábico moderno, halkás. De cuícas para curcas vae uma leve e fácil alteração (Cf. De CandoUe, Orig. des plantes cultivées, Sg; Dymock, Mat. med., 818). —«Chiviquilengas» lhe chamavam no Malabar. Esta designação, apesar de muito alterada, é claramente o nome tamil da Colocasia antiquorum, que Dymock dá na forma shema halengu, e Drury na forma shema kilangu (Cf. Dymock, 1. c, ^17; Drury, Useful plants, 154). — Não encontrei o nome de «carpata», usado em Cambaya, segundo Orta. Em resumo, a curtíssima descripção do nosso auctor indicaria de preferencia a Colocasia indica, emquanto os nomes vulgares se podem melhor referir á Colocasia antiquorum. E, porém, admissível que os seus informadores applicassem á primeira espécie alguns nomes da segunda, que era muito mais conhecida. É interessante virmos encontrar Coge Çofar, o grande inimigo dos portuguezes, o instigador e a alma dos cercos de Diu, mandando presentes de curcas a Garcia da Orta, e ensinando-lhe como se chamavam no Cairo. Orta dá-o como natural «da Pulha», e n'isto se conforma com outros escriptores nossos; Couto, que o diz natural de Otranto; e Barros, que, especificando mais, affirma que elle nascera em Brinde ou Brindisi, e era filho de um albanez e de uma italiana. Este mestiço, homem de «ardiz e invenções», é um perfeito exemplar do aventureiro levantino d'aquelles tempos. Captivo em rapaz pelos turcos, cujas galés corriam e infestavam então as costas da Apúlia, fez-se mahometano, e andou depois mettido nas armadas dos mamelukos, dos turcos e dos rumes, como homem de guerra ou homem de finança — umas vezes «capitão de uma galé», segundo refere Couto; outras «tisoureiro » da armada, segundo assegura Gaspar Corrêa. Vemol-o embarcado já na armada, que pelo anno de 1 5 16 o chamado Soldão de Baby

[286]lonia, —o ultimo soberano mameluko do Egypto— mandou contra os portuguezes da índia. Muitos annos depois, no de 1 537, guando a grande armada de rumes foi atacar Diu, Coge Çofar, já então estabelecido na índia, e que preparara o ataque por terra, veiu logo a bordo combinar as operações com Soliman Pachá, como conta uma testemunha ocular: «... venne iin chiamato il Cosa Zaffer, il quale é da Otranto, ma renegato, etfatto turcho, et era patrone di una galea quando il Signore Turcho mando falira armata . . . » E finalmente, no segundo cerco, Coge Çofar foi o instigador, o agente diplomático, e quasi o general em chefe das forças mussulmanas, que se congregaram contra os portuguezes. Dirigiu todas as operações do cerco, até que, no dia 24 de junho de 1546, dia de S. João Baptista e de Corpus Christi, «que se acertou este anno todo em hum dia», estando a observar a fortaleza, com a cabeça de fora de um muro, «passou per hy hum pilouro perdido, que lh'a levou com a mão direita, sobre que a tinha acostada». E assim morreu no seu posto um dos homens, que mais habilmente e com mais persistência combateram a influencia dos nossos nas terras do Oriente. (Cf. Barros, Ásia, iii, i, 3; Couto, Ásia, iv, iii, 6; Gaspar Corrêa, Z-e«<ía5, III, 38o, IV, 479; Viaggio di Alessandria nelle Indie, pag. 149, que faz parte de uma collecção: Viaggi fatti da Vinetia alia Tana, etc. impressa em Veneza, i545. Esta curiosa relação de um prisioneiro italiano, que ia nas galés turcas, vem também na collecção de Ramusio, com o titulo : Viaggio scritto per um comiio venetiano.) Nos intervallos, porém, d'estes rompimentos de guerra, o intelligente e dissimulado italiano dava-se por muito amigo dos portuguezes; e prestou mesmo importantes serviços a Nuno da Cunha, quando foi da morte de Bahádur Schah, ajudando-o a pacificar a cidade de Diu. Talvez de haver sido «tisoureiro», e sobretudo pelo valimento do rei do Guzerate, havia-se tornado extremamente rico; e habitava umas vezes Diu e outras Surrate, onde levava a vida de um grande senhor oriental. Ali o conheceu o nosso Orta, e ali recebeu d'elle o presente das curcas. Orta chama-Ihe Coge Çofar, e Coge Çofar ou Coge Sofar lhe chama também Barros, e a maior parte dos escriptores portuguezes. Gaspar Corrêa escreve Coje Çafar, ao que parece com melhor orthographia. O veneziano, que citámos, escreve o nome Cosa Zaffer, e julgo que /-